domingo, 26 de dezembro de 2010

AS ONZE ATITUDES BÁSICAS DA SADHANA


Quando um viajante decide empreender uma longa e minuciosa viagem, primeiro tem que preparar o necessário para o trajeto que pretende percorrer, de outro modo poderia ter dificuldades em qualquer momento de sua viagem. O mesmo ocorre com a viagem espiritual. Quando começa sua caminhada espiritual cujo fim último é estar unido à consciência divina e converter-se em um instrumento apropriado para a manifestação do Divino, também deve-se reunir desde o princípio os requisitos essenciais para ter êxito em sua caminhada; porque o caminho da sadhana é muito mais difícil, muito mais assediado pelas dificuldades e perigos que qualquer outra viagem na vida exterior. Sem estes requisitos que o ajudarão ao longo de todo o caminho, o peregrino espiritual cairia com frequência no poço de uma profunda confusão e depressão psicológicas; ainda mais, poderia interromper sua viagem e abandonar o caminho completamente, ou, o que é pior, poderia ser atraído para um desvio ficando seriamente ameaçado seu destino espiritual.



Mas, quais são afinal, estes requisitos que o sadhaka deve procurar antes de poder viajar pelo caminho sem ser acossado a cada passo por toda classe de dificuldades psicológicas? A resposta é: estes requisitos não são mais que certo número de virtudes essenciais de caráter que deverá manter com firmeza o sadhaka no lugar adequado, através das múltiplas vicissitudes de sua empresa interior.



Porque sabemos que nossa sadhana de yoga integral não renuncia o mundo nem a vida; ao contrário, o que propomos fazer nela é purificar e transformar a natureza, nossa natureza pessoal e a natureza do mundo, tanto como seja possível e em continuidade oferecê-las ao Divino como um instrumento digno para sua manifestação divina sobre a terra. Nossa aspiração não é simplesmente para desfrutar do deleite da realização espiritual em nossa consciência interior; o objetivo de nosso yoga é que nossa natureza e nosso ser exterior devem participar também plena e integralmente da realização espiritual.



Nas inimitáveis palavras de Sri Aurobindo: “… propomo-nos conquistar-nos a nós mesmos e ao mundo para Deus; estamos decididos a oferecer-lhe nosso ser atual assim como nosso ser potencial…”(A Síntese do Yoga)



Sendo este nosso objetivo, não podemos dar as costas à natureza, nem separar-nos dela tanto quanto seja possível; nem nos é permitido deixar de lado o torvelinho da vida e buscar o repouso de um refúgio cheio de paz em um isolamento interior e exterior. Nossa sadhana espiritual deve ser empreendida na própria natureza e no campo de batalha da vida. Por isso devemos estar preparados para fazer frente e tentar resolver com êxito todo gênero de dificuldades intrínsecas a esta escolha básica que fizemos.



Sem dúvida, todas as sadhanas espirituais são difíceis; seus caminhos são “cortantes como o fio de uma navalha, duros de percorrer”. O nosso é, porém mais difícil, aparentemente mais obstinado. A razão é que nossa atual natureza está quase toda sob o assédio da ignorância cósmica; está contaminada por milhões de classes de corrupção, tamásica e rajásica. Ao aceitar esta natureza perversa como o campo de nossa sadhana, que é equivalente a decidir permanecer na mesma morada com uma serpente venenosa, corre-se o risco constante de ser mordido às vezes pelo réptil inimigo. Mas não por isso devemos abandonar nossa nobre empresa. Não recordou Sri Aurobindo aos discípulos do caminho integral que “A vida é o campo de uma manifestação divina, incompleta porém; aqui, na vida, sobre a terra, no corpo…temos que revelar a Divindade; aqui, devemos fazer real para nossa consciência sua grandeza, luz e doçura transcendentes, aqui devemos possuí-las, e, na medida do possível, expressá-las. Devemos, então aceitar a vida em nosso yoga a fim de transmutá-la profundamente; nos está proibido fugir das dificuldades que esta aceitação possa atrair a nosso esforço”. (A Síntese do Yoga).



Bem, tal é nossa aspiração neste yoga, tal é o plano de ação frente a nossa incorrigível natureza presente. Mas a aspiração não pode levar-se a cabo em um dia, nem nossa natureza responderá tão facilmente a nossa pressão transformadora sobre ela. Portanto, o sadhaka terá que empreender sua guerra espiritual por um longo período de tempo. Terá que enfrentar e abordar muitas vezes uma situação difícil. Diferentes tipos de obstáculos interiores e exteriores bloquearão o caminho de seu progresso; terá que atravessar sérias provas. Mais ainda, não será só sua natureza pessoal a que tentará oferecer resistência a cada passo com sua obstinação; também a natureza universal buscará erigir um muro de obscuridade em seu caminho, porque esta natureza, sob a incitação da ignorância cósmica se opõe mortalmente à possibilidade de que qualquer sadhaka escape a sua prisão e experimente um novo nascimento espiritual na luz celestial. Recordemos a esse respeito a advertência pronunciada por Sri Aurobindo: “Quando a alma se dirige para o Divino, pode produzir-se uma resistência na mente, cuja forma mais frequente é a negação e a dúvida, a qual pode engendrar um sofrimento mental e vital. E ademais, poderia existir uma resistência na natureza vital cujo principal caráter é o desejo e o apego aos objetos de desejo. A consciência física também poderia oferecer uma resistência que é, geralmente, a de uma inércia fundamental, uma obscuridade na substância mesma do físico…Existe, ademais, a resistência da natureza universal, que não quer que o ser escape da ignorância para a luz”.

Também a Mãe advertia, do mesmo modo, aos sadhakas do yoga integral: “O yoga integral consiste em uma série ininterrupta de exames que se deve passar sem aviso prévio, portanto, faz que estejas sempre alerta e atento”.



A Mãe disse, ademais, com respeito à natureza destas provas: “Os três tipos de exames são: (1) os estabelecidos pelas forças da natureza, (2) os estabelecidos pelas forças divinas e espirituais, e (3) os estabelecidos pelas forças hostis. Os últimos são os mais enganosos em sua aparência, e se um não está preparado para a surpresa ou se acha desprevenido, deve permanecer em um estado de constante vigilância, sinceridade e humildade” .



Agora bem, as perguntas pertinentes que podem perturbar o sadhaka são: “Como pode alguém superar estas provas com êxito? O que há que se fazer para que o caminho de peregrinação espiritual seja mais fácil de percorrer? E finalmente, Que pode fazer o sadhaka para que as dificuldades e sofrimentos inevitáveis do caminho não atuem unicamente como obstáculos negativos, senão que, pelo contrário se convertam em excelentes oportunidades que conduzam ao florescimento da consciência espiritual do sakhaka?



Daqui, então, a necessidade de uma preparação preliminar na vida da sadhana e de que o sadhaka acumule os requisitos básicos da senda. Temos indicado já que uma parte muito importante do processo de aquisição de tais requisitos básicos consiste em que o sadhaka cultive certo número de virtudes que devem constituir o núcleo de seu caráter.

Ao falar das três categorias de examinadores que elaboram constantemente provas para os sadhakas do yoga integral, e das virtudes especialmente requeridas para passar vitoriosamente a estes exames na senda, a Mãe mencionou particularmente as seguintes:

(1) perseverança; (2) alegria; (3) audácia; (4) plasticidade; (5) confiança; (6) entusiasmo; (7) generosidade; (8) vigilância; (9) humildade; (10) sinceridade; (11) aspiração; (12) retidão.

Estas e outras virtudes do mesmo gênero serão constantemente exigidas em cada etapa da viagem espiritual, e quando estejam firmemente arraigadas, protegerão e fortalecerão o caráter do sadhaka servindo-lhe de arma e couraça em sua incessante batalha espiritual contra as forças da obscuridade estabelecidas.



Nos propomos falar, ainda que brevemente, sobre algumas destas virtudes espirituais essenciais precisamente neste primeiro capítulo do livro, porque são apropriadas para levantar a sólida fundamentação da sadhana, já que sem elas a superestrutura do edifício do yoga integral não pode ser erigida de nenhuma maneira.

A primeira virtude que o sadhaka deve cultivar em toda sua extensão e manter sempre durante o transcurso de sua sadhana espiritual é:



1. Um amor e devoção absolutos ao Divino e a sua Shakti

Devemos fazer desta preciosa virtude o propósito principal de nossa natureza e de nossa consciência. Nosso amor pelo Divino deve possuir uma simplicidade pura e uma retidão psíquica. Este amor e devoção devem ser totalmente incondicionais, sem esperar nada em troca e não devem ser acompanhados pela confusão criada pelos questionamentos intelectuais. Podemos facilmente colocarmo-nos a salvo de numerosas dificuldades e desastres psicológicos, assim como dos diversos perigos e areias movediças do caminho se podemos tornar firmes, constantes e absolutamente invariáveis nosso amor e devoção, nossa fé e confiança na Mãe Divina e em seu amor. Neste caso descobriremos, para nossa surpresa, que nenhuma desgraça, - por mais grave em sua aparência e por muito repentina que apareça no caminho e aflija seriamente nossa mente e nosso coração, e inclusive nosso organismo físico-, poderá produzir-se na consciência do sadhaka, nem sequer a insinuação mais insignificante de protesto ou queixa, nem muito menos alguma rebeldia ou abandono; nossa fé e confiança no Divino e em seu amor não sofrerão nem a mais mínima dúvida, nenhum perigo do caminho significará para nós tal perigo, e nenhuma dor exterior ocasionará ao sadhaka aflição psicológica alguma.

Estabelecidos solidamente nesta particular virtude de amor e confiança sinceros no Divino não tardaremos em dar-nos conta, sobre a base da evidência direta de nossa experiência pessoal, que “Deus é nosso amigo sábio e perfeito, porque sabe quando golpear e quando acariciar, quando matar igualmente que quando salvar e socorrer… Temos de ter fé no amor e na sabedoria de Deus,… que executa tudo para nosso bem, inclusive quando está aparentemente oculto no mal”.



A segunda virtude espiritual que devemos desenvolver para ajudar ao progresso de nossa sadhana é:



2. Uma atitude otimista e um estado de alegria constante

“Sri Aurobindo nos disse:” Uma alegria, uma calma e uma confiança satwicas são o temperamento apropriado para este yoga (o yoga integral)…”

E isto é fácil de entender. Porque uma vez tenhamos estabelecido em nosso interior uma disposição permanente de tranquila equanimidade, poderemos perceber claramente que tudo o que ocorre na tortuosa viagem de nossa vida, seja agradável ou desagradável, ou inclusive aparentemente desastrosa, tem de uma vez, invariavelmente, dois aspectos diferentes: um, positivo, promissor, que conduz a um bem futuro; ou outro, negativo, que adota a forma aparente de um mal.

Agora bem, isto é só porque em nossa disposição dominada pelo ego, concentramos nossa atenção unicamente nos elementos negativos, ignorando completamente o aspecto positivo da situação, nossa consciência fica facilmente nublada, falsificam-se os juízos, feridos os sentimentos, e transbordado nosso coração por uma insuportável ansiedade e desordem.

Mas se queremos construir uma vida espiritual autêntica, é essencial que modifiquemos nosso modo de ver as cosas. Frente a qualquer acontecimento imprevisto em nossa vida, devemos aprender a perceber imediatamente seu lado positivo e estar feliz por ele; nossa consciência deve enfatizar este lado positivo e isto nos tornará concretamente conhecedores do grande bem espiritual que se há estado gestando sob a aparência da maldade e da obscuridade.

E se podemos atuar de maneira que em cada ocasião se desenvolva em nós uma atitude inerentemente otimista, o curso de nossa vida modificará seu caráter e se amenizará em todas as circunstâncias, e seremos sem dúvida intensamente consciente da luz, presente inclusive em meio de uma obscuridade sufocante. Sri Aurobindo há qualificado isto como o “caminho ensolarado” sobre o que o sadhaka avançará até a meta com passos seguros e em deleite, “com absoluta confiança na Mãe, sem temer nada, sem nenhum tipo de pesar…”, com “uma alegre equanimidade, inclusive frente às dificuldades…”.



3. Uma resignação satisfeita diante da providência divina

O caminho da sadhana não pode senão estar cheio de confusões e dificuldades. Em qualquer momento da vida do sadhaka pode tomar-lhe desprevenido alguma desgraça incompreensível. E nestes instantes críticos e cruciais lhe é muito difícil manter-se em equilíbrio. Para poder conservar o sangre fria nestas situações difíceis e perigosas, o sadhaka deve imprimir em seu coração, desde o princípio de sua sadhana, a seguinte verdade central da vida espiritual em relação ao Divino, e retornar a ela imediatamente cada vez que tenha a impressão de sair-se do caminho correto: “Os caminhos do Divino não são como os da mente humana nem seguem nossos esquemas, e não é possível julgá-los nem decidir por Ele o que se deve fazer ou não, porque o Divino o sabe muito melhor que nós. Se de alguma maneira admitimos o Divino, me parece que tanto a razão verdadeira como a Bhakti estarão de acordo em exigir uma fé e uma consagração implícitas”:

Portanto, a constante fórmula de um sadhaka deve ser de uma absoluta adaptabilidade e uma resignação satisfeita a todo desígnio da providência divina. Seu mantra a todo tempo e lugar, seja em bem-estar ou na desgraça, nos períodos de sol brilhante ou nos dias nublados, deveria ser: “Faça-se Tua vontade”; e não a renegue, nem com uma resistência estoica, senão com a plena adesão da totalidade do ser, com um consentimento e uma aceitação alegre. Meditemos sobre as seguintes palavras de Sri Aurobindo: “Recordar as verdadeiras bases do yoga… a obediência à vontade divina, a não observância da própria vontade, são o primeiro mantra…aprende em primeiro lugar a obedecer absolutamente..”



4. Ausência de preocupações e de ansiedades

Devemos retirar do campo de nossa consciência todo pensamento inútil e incapacitador como os seguintes: “Quem sabe o que vai ocorrer-me?” e “Que desgraças depararão meu desconhecido destino em um futuro próximo?”

Não, um sadhaka deve aprender a estar totalmente livre de toda preocupação e ansiedade frente a seu futuro. Sua atitude deveria ser: “Sempre que algo me suceda no futuro, fruto do desígnio divino, será porque tenho que ocupar-me dele. Por que alimentar antecipadamente toda classe de pressentimentos negativos? Em seu lugar, minha atitude deverá ser aceita com gratidão todas as coisas agradáveis que o Divino me oferece em sua amorosa bondade, inclusive neste momento preciso. Qualquer coisa que o Divino deseje que eu seja no momento presente de minha vida, tentarei sinceramente sê-lo; qualquer coisa que eu considere que é meu dever espiritual neste momento, o farei com perfeita sinceridade, unicamente como uma oferenda a meu amado divino. E aqui termina meu labor e minha ocupação. Não necessito procurar ansiosamente entender a incerteza de meu futuro, nem está justificado derramar lágrimas inúteis por minhas quedas e fracassos passados. Concentrar-me somente no presente e tratar de dar o máximo partido a suas possibilidades: é tudo o que devo fazer como sadhaka.

Esta é, sim dúvida, uma grande virtude que há que adquirir e aplicar na prática atual, se o sadhaka quer evitar muitos males desnecessários e perfeitamente evitáveis da vida.



5. Total eliminação do egocentrismo

É lamentável comprovar que de forma universal a maior parte de nós, ao fazer frente a um acontecimento, situação ou circunstância, ou em qualquer contato com os demais seres, em geral, o avaliou unicamente em termos de se nos conforta ou nos angustia, se nos agrada ou nos desagrada, se serve ou não serve a nosso ego e a seus interesses. Este é um defeito muito sério, que aflige a muitos sadhakas, viciando enormemente o curso de sua sadhana. Esta nociva atitude egocêntrica deve ser eliminada por todos os sadhakas do yoga integral se querem progredir com passo firme na sadhana; devem substituí-la por uma atitude geocêntrica frente a qualquer evento da vida. “Não o que eu desejo, senão o que o Divino deseja neste momento” deve ser a única consideração como sadhaka. Sri Aurobindo deixou muito claramente. Aqui suas palavras: “O homem egocêntrico experimenta e toma as coisas segundo afetam-lhe: me agradam ou me desgostam, me produzem alegria ou me causam mal-estar, alargam meu orgulho, minha vaidade, minha ambição ou a ferem, satisfaz meus desejos ou os frustra, etc. O homem desinteressado não olha as coisas dessa maneira; trata de ver o que são as coisas em si mesmas e o que seriam se ele não estivesse, qual é seu significado, como encaixam-se dentro do esquema de coisas, ou inclusive experimenta calma e equanimidade, remetendo tudo ao Divino…” “aprende a realizar que não seja o ego, senão o Divino, o centro de sua existência, e pensa, atua e sente só para o Divino..”

Assim pois, este é o quinto requisito essencial do caminho: não julgar nunca, ou, melhor dizendo, não julgar equivocadamente as cosas desde o ponto de vista do ego pessoal, senão entregar tudo à vontade toda harmoniosa, e que tudo sabe, do Divino.



6. Atitude justa em todo momento

Grande parte do progresso na sadhana, se queremos levar a cabo com a mínima perturbação que crie impedimento, depende de se o sadhaka pode adotar e mantiver a atitude justa em qualquer circunstância, interior ou exterior, que se lhe apresente no caminho. A Mãe apontou que a maior parte das pessoas não se dá conta de que uma atitude justa possui um grande poder determinante. Simplesmente pode fazer maravilhas, e modificar completamente o curso do determinismo. Mas o que entendemos por atitude justa?

Seguramente não é uma atitude considerada justa pelo padrão ético ordinário, nem sancionada pelas regras sociais ou religiosas convencionais, ou ditadas pelo que chamamos consciência própria. Ou melhor, dadas as circunstâncias imperantes, uma atitude que nos conduza ao crescimento espiritual do individuo.



Mas como determina o sadhaka qual é a atitude correta em uma dada situação? Se seu guru está físicamente presente, a solução pode ser relativamente fácil. Só tem que apresentar-lhe o problema e solicitar suas instruções. O único ponto de incerteza neste caso é se o sadhaka queria ou seria capaz de cumprir as instruções do guru sem as dúvidas produto dos impulsos cegos e arrogantes de sua natureza egoísta.

Quando o guru não está presente físicamente, o sadhaka pode adotar outro caminho, tão seguro como um poderia esperar dele. Evidentemente, nos referimos ao despertar do ser psíquico e a colocá-lo à frente da consciência do sadhaka. Sobre seus efeitos sumamente benéficos para a sadhana, Sri Aurobindo diz:



“Um guia, um governo começa desde dentro, expõe cada movimento à luz da Verdade, repele o que é falso, obscuro, oposto à realização divina; cada região do ser, cada parte, cada uma de suas esquinas, cada movimento, formação, direção, inclinação de pensamento, vontade, emoção, sensação, ação, reação, motivo, disposição, propensão, desejo, hábito do físico consciente ou subconsciente, inclusive o mais oculto, camuflado, silencioso, recôndito, é iluminado pela luz psíquica infalível, dissipadas suas confusões, desembrulhados seus embrulhos, encontradas e eliminadas suas obscuridades, enganos, auto-enganos…” (A Vida Divina)



Da fala anterior de Sri Aurobindo podemos deduzir facilmente que, sob a guiança ativa do psíquico, conhecer em cada momento a natureza da atitude justa que é requerida ao sadhaka para que a adote e a coloque em prática com eficácia na situação real à que se enfrenta, chega a ser um jogo de criança para ele.

Mas a dificuldade está em que esta afloração psíquica é uma realização que o sadhaka pode esperar somente em uma etapa muito avançada de sua sadhana, e não é acessível aos novatos na sadhana. E aqui, no primeiro capítulo deste livro, estamos falando daqueles sadhakas que sem dúvida determinarão, séria e sinceramente, seguir o caminho do yoga integral, mas que estão porém, neste momento, na etapa de reunir os requisitos essenciais necessários para a realização vitoriosa da viagem.

Agora bem, temos insistido anteriormente em que manter a atitude justa em todas as possíveis situações da vida é uma das virtudes mais fundamentais que todo sadhaka deveria ter, inclusive nas etapas preliminares de seu empenho espiritual. Assim que a questão surge de novo: em ausência da presença física do guru, e no imperfeito status do despertar psíquico, como chegará o sadhaka inexperiente discernir a atitude justa?

Afortunadamente para nós, tanto Sri Aurobindo como a Mãe deram em seus extensos escritos suficientes indicações a respeito da postura a adotar em cada situação particular. Um estudo perspicaz destes escritos seguramente resolverá o problema a qualquer sadhaka que leve a sério a questão.

Em qualquer caso, um sadhaka deve adquirir esta destreza de conservar a atitude justa em cada instante de sua vida diária, incluídos os momentos de crises ocasionais.



7. Coragem e audácia

Sri Aurobindo escreveu uma vez a um sadhaka que a coragem e o amor são as virtudes gêmeas absolutamente indispensáveis para o progresso na sadhana: inclusive se todas as demais perdem intensidade ou se tornam adormecidas, estas duas virtudes serão suficientes para salvar o sadhaka.

É quase uma redundância dizer que cada sadhaka do yoga integral deve ser audaz se deseja avançar com segurança no caminho da sadhana espiritual. Porque sem o constante suporte desta virtude da intrepidez, é possível que cometa um deslize ou tropece quase a cada passo. Todas as forças hostis dos mundos sutis estão sempre em alerta para detectar inclusive o indício mais insignificante de medo e apreensão na consciência do sadhaka, de maneira que possam utilizá-los como suporte que lhes ajudará a derrubar o edifício de sua sadhana já construído, e empurrá-lo fora do caminho agitando diante dele a expectativa irreal de ameaças e advertências, em sua maioria imaginárias. Deve ser auto-equilibrado sobre todo gênero de circunstâncias por más sérias que possam ser seus impactos exteriores.





Aqui, seguem-se, algumas palavras de Sri Aurobindo e da Mãe insistindo no indispensável da virtude da audácia na vida do sadhaka:



1. “Si desejas fazer yoga, deves despojar-te do medo”.

2. “A primeira condição de progresso na sadhana é não ter medo, ter confiança e manter a tranquilidade”.

3. “O medo é o que primeiro deves rechaçar…”.

4. “É indispensável afastar o medo e ter confiança na ação divina”

5. “O yogue deve ser audaz, abhi; é absurdo ter medo já que alguém pode controlar seus estados; este é um poder muito desejado e muito bem recebido no yoga”.

Agora um texto extraído da Mãe relacionado com o mesmo assunto: “Nenhuma proteção, nenhuma graça pode salvar àqueles que recusam a purificação indispensável. E eu acrescentaria: esse medo é uma impureza, uma das maiores impurezas, uma daquelas que vêm mais diretamente das forças antidivinas que desejam destruir a ação divina sobre a terra; e o primeiro dever daqueles que realmente querem fazer yoga é eliminar de sua consciência, com todas suas forças, com toda sinceridade, com toda a resistência de que é capaz, inclusive a sombra de um temor. Para caminhar sobre o caminho deve-se ser intrépido e nunca consentir esse mesquinho, insignificante, débil, e feio retroceder sobre si mesmo, que é o medo”.

Mantenha a coragem audaz, que deve ser claramente distinguida de um espírito temerário altivo, chegam as virtudes da paciência e da persistência, que se erguem quase nos pólos opostos, mas que são igualmente indispensáveis para prosseguir suavemente com a sadhana. Propomos-nos dizer umas palavras acerca destas humildes virtudes.



8. Paciência e persistência

Diz-se que Roma não foi construída em um dia; a meta do yoga integral tão pouco pode ser alcançada em um curto espaço de tempo. Cada sadhaka deste caminho deve ter muito claramente desde o começo que um espírito de impaciência, e a construção da vida espiritual, são absolutamente incompatíveis. Percorre-se o caminho com a vã esperança de que conquistará a fortaleza em um dia, e de que alcançará sua realização em um tempo relativamente breve, se verá muito breve enfrentado ao destino de um desventurado pássaro que gostaria voar através dos céus com suas asas cortadas.

Não devemos esquecer nunca que o yoga integral aponta à total transformação de nosso ser e de nossa natureza em todas suas partes sem deixar nenhuma parte sem tocar. Realmente isto não pode levar-se a cabo em um dia. Devemos manter o fogo de nossa tapasya ardendo brilhantemente durante muitos anos para alcançá-lo; devemos lutar contra a mesma dificuldade e debilidade de nossa natureza uma e outra vez. E a causa deste fenômeno tão conhecido na sadhana, Sri Aurobindo nos recorda: “A paciência é nossa primeira grande lição necessária… uma paciência cheia de calma e de fortaleza concentrada”. Também disse: “Aqueles que esperam violentamente, desaparecem rapidamente: nem esperar nem temer, senão estar seguro do propósito de Deus e de sua vontade para alcançá-lo”.

O sadhaka do yoga integral deve ter muito em conta as seguintes palavras de Sri Aurobindo: “O percurso do yoga é longo; cada centímetro de terra deve ser ganho com grande resistência, e nenhuma qualidade é tão necessária para o sadhaka como a paciência e uma decidida perseverança, com uma fé que permaneça firme através de todas las dificuldades, atrasos e aparentes fracassos”.



9. Ausência de cobiça e de desejos

A consciência espiritual quase pode ser definida como um estado de desinteresse perfeito. E onde não há ego, com seu inevitável sentimento de privação e suas carências de milhões de coisas, não pode haver nenhum desejo. E onde não existe nenhum desejo, não pode haver nenhum apego. O ego, o desejo e o apego são os três principais distintivos de uma vida de ignorância. E este é o sofrimento de nosso incorrigível estado atual. A sadhana não significa nada mais que um esforço deliberado e consciente por parte do indivíduo para escapar desta casa-prisão de ignorância e nascer de novo na liberdade do espírito.

E se isto é assim, o programa básico da sadhana para um sadhaka do yoga integral é sempre desanimar qualquer manifestação do ego e do desejo por muito insignificante e inócua que possa ser. Não deve tentar fazer nenhuma discriminação entre grandes desejos e pequenos desejos, desejos nobres e desejos mesquinhos, desejos espirituais e desejos mundanos, pois senão cairia seguramente na perigosa armadilha estendida pelo adversário. Os desejos são desejos, igualmente prejudiciais para o bem-estar espiritual do sadhaka. Deve ter uma aspiração ardente e incessante; mas os desejos maus chegarão lá também. Há um lugar para a vontade e a aspiração, não para o desejo. Se existe o desejo, também haverá apego, exigência, ânsia, falta de equanimidade, pesar por não receber; tudo isto nesse yóguico”.

Outra coisa a ter em conta: Um sadhaka digno do nome deve abster-se sempre de sondar e emitir juízos sobre quanto há recebido na vida e de quanto carece, ou em que aspectos suas conquistas são inferiores aos dos demais. De outro modo, a paz e a satisfação lhe abandonarão completamente, e um sufocante sentimento de injustiça e de privação roerão a todo o momento seu coração.



Não, devemos ser plenamente indiferentes a todas as carências, inconveniências e aflições pessoais manipuladas de forma egoísta. Ao contrário, temos de aprender a estar contentes com qualquer coisa que nos chegue por desígnio divino, ou por muito insignificante que seja. Devemos fazer um esforço sincero para adaptarmo-nos à descrição que Sri Aurobindo deu de um sadhaka ideal:



O sadhaka liberado do yoga integral “não tem ilusões pessoais, não se aferra às coisas como possessões pessoais suas, recebe o que a Vontade divina lhe traz, não cobiça nada, não é ciumento por nada, o que lhe chega o aceita sem repulsa e sem apego; permite que o que saia dele, se reintegre ao torvelinho das coisas, sem queixar-se, sem pena nem sentimento de perda. Seu coração e seu eu se encontram sob um controle perfeito, estão livres da reação e da paixão, não respondem de forma turbulenta aos contatos das coisas externas”. (Ensaio Sobre o Gita)



10. Rechaço da indolência e da dilação

Se um sadhaka não quer limitar sua sadhana a um simples conhecimento de livro, ou a satisfazer superficialmente algumas convicções intelectuais, ou ao “fervor” religioso; se está decidido a avançar verdadeiramente até a realização de sua meta espiritual, deve despojar seu caráter dos defeitos gêmeos da indolência e a dilação. Sempre, em qualquer ocasião, deve sentir sinceramente que tem diante dele um dever espiritual e tentar cumpri-lo imediatamente sem buscar relegá-lo a um tempo posterior. Do mesmo modo, se alguma vez chega a dar-se conta de que tem que superar uma debilidade particular, deve fazê-lo sem atraso algum; de nenhuma maneira, sob nenhuma desculpa, permitirá que esse defeito continue nem por um curto período de tempo. Sempre deve seguir as instruções da Mãe: “Deves dar-te pressa para fazer teu trabalho aqui e agora… Nunca deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. Porque senão o sadhaka comprovará, consternado, que ao final de sua vida sua sadhana ficou reduzida a nada. A Mãe adverte que “O caminho de para-mais-tarde, ou o caminho do para-amanhã conduz somente ao Castelo do faz-de-conta”. O destino destes sadhakas dilatórios será palavras da Mãe: “… as horas, as circunstâncias, a vida, passam em vão, sem aportar nada, e te despertas de tua sonolência em uma armadilha da qual que é muito difícil escapar”.

Assim pois, cada sadhaka do yoga integral deve decidir, exatamente desde o primeiro dia de sua sadhana, que colocará em prática na vida, de forma resoluta e decidida, o seguinte conselho da Mãe: “Quando caminhas pelo caminho do progresso espiritual, sempre que vás a enfrentar-te a uma debilidade –uma debilidade que está buscando auto expressar-se através de teu pensamento, sentimento, linguagem ou ação, imediatamente adotes a resolução de não consenti-la de nenhum modo, nem uma só vez, nem inclusive somente desta vez. Porque senão, não alcançarás teu objetivo”.

11. Não esquecer a meta

Agora vamos a um dos vícios mais maliciosos que não só há posto em perigo, senão também destruído completamente a vida espiritual de muitos sadhakas. É o que nós podemos denominar um deplorável estado de “auto-esquecimento”, de esquecimento total da própria meta.

Não é que o sadhaka perda teoricamente a visão da meta espiritual. Ele recorda absolutamente a natureza precisa desta meta que situou diante de si mesmo quando pisou pela primeira vez a senda espiritual. Continua tendo uma clara concepção intelectual sobre o que se espera que faça como sadhaka. Pode inclusive falar eloquentemente aos demais sobre as responsabilidades de um sadhaka sincero. Mas a tragédia é que, pelo que a ele corresponde, descuida na prática o que crê na teoria. E, todo o mundo sabe, que sem uma prática séria e assídua a sadhana não é sadhana em absoluto. Não nos recordou a Mãe com toda claridade? “Uma gota de prática é melhor que um oceano de teorias, conselhos e boas resoluções”.

Mas por que esquecem muitos sadhakas sua verdadeira meta na vida depois de certo lapso de tempo? A razão é a imperfeição básica da natureza humana atual. A Mãe analisou lucidamente a situação em seu comentário sobre os “Thoughts and Aphorisms”(Pensamentos e Aforismos) de Sri Aurobindo. O conteúdo do seguinte parágrafo procede deste comentário:

“Muitos chegam ao caminho atraídos pelo verdadeiro, mas depois de algum tempo o abandonam. Quando tudo é fácil e tranquilo, alguém se torna adormecido. A natureza humana é ainda tão vasta que para muitos é difícil preservar a atitude interior livre de misturas durante muito tempo e manter-se firme em sua posição original de aspirante ardoroso. Quase imediatamente, a preguiça toma o lugar desta aspiração- não em todos os casos, senão em geral- e na atitude licenciosa e a libertinagem se aposentam no lugar da liberdade verdadeira. Não existe nenhuma moral que limite, assim que alguém atua estupidamente. Parece que é quase impossível para muitos aspirantes conseguir que perdure sua primeira aspiração”.

Estas são as consequências letais de deixar-se levar, por isso o sadhaka do yoga integral deve armar-se, desde o começo, com um talismã de segurança que pode chamar-se “vigilância constante”. Mas em que consiste esta virtude de vigilância que pode atuar como um salva-guarda no caminho? Nas palavras da Mãe: “Vigilância significa estar desperto, estar em guarda, ser sincero, nunca ser tomado por surpresa. Quando necessites fazer sadhana, em cada momento de tua vida, há uma escolha entre dar um passo que conduza à meta, e cair adormecido; ou inclusive algumas vezes ir para trás, dizendo: “!Oh! Para mais tarde, agora não”, e ficar sentado no caminho”.



Por conseguinte é absolutamente essencial que cada sadhaka do yoga integral permaneça sempre “vigilante” e reaja efetivamente contra qualquer tendência à sonolência e ao extravio. Do contrário, pode facilmente ser vitima de três tipos de tragédia no caminho, que são:



1. Pode atrasar seu esforço espiritual e ficar completamente satisfeito com levar uma vida mundana ordinária, tendo cuidado, é claro, em revesti-la exteriormente com um envoltório religioso-espiritual convencional.

2. Pode desviar-se e, esquecer-se de sua meta verdadeira, que é alcançar a união com a consciência divina, pode concentrar seus esforços em algumas realizações secundarias inconscientes, tais como (a) ser um grande erudito “espiritual”, ou (b) um expoente efetivo da doutrina da sadhana, o (c) um preletor vitorioso da senda, ou (d) converter-se em um “guru” em miniatura, etc. etc.….

3. A tragédia mais seria de todas as que podem afligir ao sadhaka em esquecimento é abandonar completamente a vida de espiritualidade, declarando-a como um sonho utópico, e cair na velha rotina de sempre.

As três possíveis tragédias (A), (B) y (C) mencionadas mais acima são uma importante ameaça para qualquer sadhaka que se relaxe e, de passo, se esqueça da meta. Para que não possamos ser vítimas de tal perigo, deveríamos aprender-nos de memória a seguinte sentença de Sri Aurobindo: “…si desejamos aproveitar ao máximo a oportunidade que esta vida nos oferece, se queremos responder adequadamente o chamado que recebemos e alcançar a meta que vislumbramos, e não simplesmente avançar um pouco para ela, é essencial que haja uma entrega completa. O segredo do êxito no yoga e considerá-lo, não como uma das metas a alcançar na vida, senão como a totalidade da vida”. (A Síntese do Yoga)



Chegamos ao final de nosso estudo sobre as virtudes espirituais básicas que um sadhaka deve desenvolver e colocar em ação em cada passo de seu caminho se quer avançar sem que as tormentas e tensões lhe ameacem continuamente.



Não é que não vá a assaltar-lhe nenhum perigo ou dificuldade durante o desenvolvimento de sua sadhana. Não pode esperar um caminho de rosas; nenhum sadhaka deveria esperá-lo. Porque a verdadeira natureza do mundo e nosso atual modo de vida estão moldados a partir da ignorância, que lhe impedirá essa feliz expectativa.



Mas o importante para nós é que, se vá equipado com as nove virtudes básicas mencionadas, ao enfrentar-se a todos os rigores e dificuldades inevitáveis com um rosto sorridente e um espírito de aventura. E quando existe um gosto por progredir e uma alegria interior no coração do sadhaka… Que importa inclusive se algumas dificuldades ocasionais atravessam seu caminho espiritual? Porque em tal situação todos os pesares e sofrimentos exteriores, perigos e desastres, não podem senão perder o veneno de sua picada.



(Extraído do livro “A Prática do Yoga Integral de Sri Aurobindo”, de Jugal Kishore

Um comentário:

  1. Adorei trabalho de vc's!Parabéns!!!sempre estarei lendo,acompanhando os trabalhos,se puder acrescentar?farei!estou compartilhando com amigos!!!grande abraço!bençãos de Deus,paz,amor e alegrias sempre para todos!Namastê.

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